15 de Julho de 2025

OPINIÃO Terça-feira, 15 de Julho de 2025, 15:20 - A | A

Terça-feira, 15 de Julho de 2025, 15h:20 - A | A

LUCAS

Adoção sem preconceito: quando o amor enfrenta a burocracia

“Enquanto casais homoafetivos enfrentam barreiras para adotar, o sistema ainda privilegia famílias que rejeitam a maioria das crianças disponíveis”

Lucas Leite

Nos últimos quatro anos, o Brasil registrou um avanço significativo na participação de casais homoafetivos no sistema nacional de adoção. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2019 e 2023, 1.535 crianças e adolescentes foram adotados por casais do mesmo sexo, representando cerca de 6,4% do total de adoções nesse período. O número saltou de 145, em 2019, para 416, em 2023, e já alcança 203 somente no primeiro semestre de 2024.    

Apesar desses avanços, ainda persiste um preconceito estrutural e social que dificulta o processo para essas famílias. É comum que casais homoafetivos enfrentem atrasos injustificados, exigências extras e julgamentos morais disfarçados de pareceres técnicos durante o processo de habilitação e adoção. Isso ocorre mesmo diante de evidências sólidas de que não há qualquer prejuízo no desenvolvimento emocional ou social das crianças adotadas por casais do mesmo sexo.    

Enquanto mais de 35 mil pretendentes estão habilitados para adoção, cerca de 4.940 crianças e adolescentes ainda aguardam uma família. O grande paradoxo é que a maioria dos pretendentes, geralmente casais heterossexuais, deseja apenas perfis muito específicos: recém-nascidos, brancos, sem irmãos ou condições de saúde. Essa seletividade exclui grande parte das crianças disponíveis e contribui diretamente para a superlotação dos abrigos.    

Casais homoafetivos, ao contrário, tendem a apresentar maior abertura a perfis diversos: crianças mais velhas, grupos de irmãos, com deficiência ou de diferentes etnias. Em outras palavras, são justamente esses casais que contribuem para a redução dos gargalos mais críticos do sistema.    

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha garantido o direito à adoção por casais homoafetivos desde 2011, e o CNJ tenha reforçado em 2023 que a orientação sexual não pode ser motivo para indeferimento, a prática ainda revela resistência. É o preconceito que muda de forma: aparece nas avaliações subjetivas, nos pareceres de assistentes sociais ou nos atrasos burocráticos sem justificativa.    

Infelizmente, parte da sociedade ainda associa a capacidade de criar filhos a um modelo idealizado de família: pai, mãe e filhos biológicos. Mas a realidade é bem diferente, e os dados estão aí para mostrar que o modelo afetivo é mais eficaz que o modelo normativo.    

É hora de virar a chave no debate público. Não são os casais homoafetivos os responsáveis por manter os abrigos cheios. São, na verdade, parte da solução. Os verdadeiros responsáveis são os padrões tradicionais e seletivos de adoção, baseados em expectativas irreais e, por vezes, preconceituosas.    

Pior: muitos dos menores institucionalizados foram abandonados ou negligenciados por famílias heteronormativas, justamente aquelas que ainda têm mais acesso e credibilidade no sistema de adoção. O ciclo se repete quando o preconceito impede que casais dispostos e preparados adotem essas crianças.    

Diversos estudos nacionais e internacionais mostram que filhos criados por casais homoafetivos desenvolvem-se tão bem quanto os criados por casais heterossexuais. O que realmente importa são os vínculos, o cuidado, o afeto e a estabilidade emocional.    

Negar o direito de adotar com base na orientação sexual é não só injusto, mas também irresponsável diante da realidade de milhares de crianças esperando por um lar.  

Lucas Leite é jornalista, assessor de imprensa, social mídia e editor chefe do COPopular.

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