Em uma conversa franca e repleta de insights, o ex-deputado federal e ex-ministro da Agricultura e Pecuária, Neri Geller, compartilha sua visão sobre os principais desafios e avanços do agronegócio brasileiro, além de refletir sobre sua trajetória política que atravessa diferentes governos e partidos. Geller, que tem se destacado ao longo dos anos pela defesa e promoção da agricultura e da agroindústria, oferece uma análise crítica sobre o cenário atual, abordando questões econômicas, políticas e setoriais de relevância para o futuro do Brasil.
Durante a entrevista, Geller não apenas revisita momentos decisivos de sua carreira, como também comenta sobre suas relações com figuras políticas, como o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e os impactos das recentes decisões econômicas, como o aumento do IOF e a polêmica envolvendo o leilão do arroz. Além disso, o ex-ministro expõe sua visão de futuro para o agronegócio, ressaltando a importância de políticas públicas que garantam a competitividade do setor, sem abrir mão da responsabilidade fiscal e do desenvolvimento sustentável.
Com uma história marcada por importantes conquistas para o setor agrícola e um olhar atento às transformações do mercado, Neri Geller, nesta entrevista, se revela como uma das figuras mais influentes da política agrária nacional.
Centro Oeste Popular- O senhor tem uma vasta trajetória na defesa do agronegócio. Como o senhor avalia o cenário atual da política voltada para esse setor?
Neri Geller- Entrei militando na política classista ainda na década de 1980, quando o assentamento do PAA de Reforma Agrária em Lucas do Rio Verde se transformou no município. Hoje, essa região se consolidou como uma grande potência agroindustrial. Atuamos de forma firme para organizar o setor aqui no estado de Mato Grosso.
Centro Oeste Popular- O senhor não teve uma recepção muito calorosa ao chegar aos Republicanos. O deputado Diego Guimarães chegou a afirmar que o senhor teria se arrependido de ter apoiado o presidente Lula nas últimas eleições e, após esse desgaste, acabou voltando atrás. Como o senhor recebeu essa declaração e como fica sua afiliação ao partido diante desse impasse?
Neri Geller- Tenho muito orgulho da minha trajetória, e é importante olharmos o histórico de todas as lideranças políticas em Mato Grosso. Fui deputado federal em 2006, durante o governo do presidente Lula, quando reestruturamos o crédito agrícola no Brasil, com mais de 80 bilhões de reais. Também aprovamos a biotecnologia, que foi crucial para tornar a agricultura tropical a potência que é hoje. Mato Grosso se destaca como um dos maiores produtores, em parte, graças à aprovação da biotecnologia em 2000. Além disso, em 2011, aprovamos o Código Florestal, um marco importante. Na época, a ProSol e eu, como deputado federal, lideramos essas iniciativas. Depois, assumi a Secretaria de Política Agrícola, com o apoio do setor e de grandes lideranças como Arnaldo Caiado, Abelardo Lupião e Waldir Colato, que me projetaram para esse cargo. De assentado em Reforma Agrária, acabei me tornando ministro da Agricultura. Fui um dos melhores ministros da área e, em um momento crucial para a economia de Mato Grosso, trouxemos mais de 3 bilhões de reais em garantias de preço mínimo e fizemos um dos maiores programas de financiamento para a agricultura. Isso tudo aconteceu durante o governo da presidente Dilma. Eu não vou negar esse trabalho que realizamos. Sempre fui um parlamentar focado em resultados, sem me envolver com fake news ou tentativas de lacrar nas redes sociais. Em 2018, fui deputado federal e ajudei muito o presidente Bolsonaro, sem demagogia. O deputado Diego Guimarães fez uma crítica pontual, mas fui convidado por Adil Saqueti, um grande líder do agronegócio em Mato Grosso, e pelo vice-governador Otaviano Pivetta, para integrar o último partido, o Republicanos, com o apoio de Marcos Pereira. Durante minha trajetória, ajudei a destravar a BR-163 e fui protagonista na renovação da Malha Paulista, trazendo investimentos de mais de 7 bilhões de reais e criando um fluxo de 30 milhões de toneladas de escoamento. Em 2022, participei da aprovação da lei de licenciamento ambiental, que irá desbloquear 150 bilhões de reais em investimentos, gerando emprego, infraestrutura e respeitando o meio ambiente. Também fui relator da lei sobre defensivos agrícolas. Estou tranquilo quanto à minha decisão de retornar ao Congresso. Acredito que a sociedade já entendeu que a classe política precisa trabalhar para dar resultados à população, independentemente de questões ideológicas de direita ou esquerda. O foco deve estar em resultados concretos.
Centro Oeste Popular- Na última semana, o aumento da alíquota do IOF pelo governo federal gerou grande preocupação no agronegócio brasileiro. Embora o crédito rural tradicional tenha sido preservado, os impactos diretos e indiretos sobre o setor são significativos. As Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que representam uma das principais fontes de financiamento com juros livres para os produtores rurais, estão sob pressão com o aumento da alíquota do IOF para pessoas jurídicas, que passou de 0,38% para 0,95%, com teto de 3,95%. Além disso, cooperativas com operações acima de R$ 100 milhões por ano também enfrentarão um aumento expressivo na alíquota, que passará de 0% para 3,95%. Como o senhor, um dos principais representantes do agronegócio no Congresso e ex-ministro da Agricultura, avalia o impacto desse aumento nas operações de crédito para o setor agropecuário e cooperativas? Quais são os caminhos que o Legislativo pode seguir para mitigar esses efeitos e garantir que o financiamento do agronegócio não seja comprometido, especialmente no período de preparação para a próxima safra?
Neri Geller- É importante deixar claro que participei do governo e ajudei na eleição do atual governo, mas me arrependo em alguns pontos, pois não vejo a mesma postura que tivemos no passado. Não se trata apenas do aumento do IOF, mas também da falta de responsabilidade com os gastos públicos, o que acaba elevando a taxa Selic e gerando um déficit, levando o governo a procurar formas de aumentar a arrecadação por meio de mais impostos. O que precisamos no Congresso Nacional é o que fizemos no passado. Fui relator da Lei do Licenciamento, correlator da Lei do Fiagro, e também fui responsável por segurar a PEC 42, que estava prestes a ser aprovada no Senado e que acabaria com a Lei Candir. Nós conseguimos construir uma alternativa, com a compensação do FEC sendo regulamentada, o que foi um trabalho fundamental. Hoje, as taxas de juros para empresários e produtores são altíssimas e, com o aumento do IOF, a situação se torna ainda mais desastrosa. Precisamos, no Congresso, adotar uma postura de responsabilidade fiscal, gastando menos, inclusive com as emendas. É importante que se tenha um posicionamento firme sobre isso, e eu sempre tive, o que me dá legitimidade para defender essas ideias. A questão não é apenas o IOF, mas também fortalecer o financiamento da agricultura e da agroindústria em dólar, com a captação de recursos no mercado internacional. O governo tem um papel importante nisso, pois oferece renúncia fiscal. Precisamos também fortalecer o Fiagro, uma
ferramenta de crédito privado que permite ao Tesouro Nacional não precisar equalizar as taxas de juros e outras operações como as ACCs. Essa questão do IOF é algo com o qual sou completamente contra, e já tive posições firmes sobre isso. O Estado precisa ser mais eficiente. A participação do governo brasileiro na economia é fundamental para fazer investimentos e realizar obras que tragam retorno, mas deve ser feita de forma mais enxuta.
Centro Oeste Popular- O leilão do arroz gerou grande repercussão e dividiu opiniões. Diante desse cenário, como o senhor avalia a atuação do ministro Fávaro nesse episódio? E, mais especificamente, como está a relação entre o senhor e o ministro neste momento?
Neri Geller- É um assunto que eu abordo com tranquilidade e gosto de falar sobre ele. Em todas as entrevistas, e respondendo à sua curiosidade, você pode conferir o parecer da CGU no site, que mostra, primeiro, que o leilão foi público. A participação das empresas que tanto se criticam estava habilitada, e elas tinham cinco dias para apresentar a garantia real, seja por carta de fiança ou depósito. Se não tivessem as garantias, seriam desabilitadas automaticamente. Isso é o que define um leilão público.
Eu sei que você está me perguntando sobre um ex-assessor meu que estava habilitado e participou como corretor. O Robson, que é advogado, trabalhou comigo até 2020. Ele participou, e eu não sabia disso. Não tenho problema nenhum em falar sobre isso. Ou vocês acham que eu sou bobo a ponto de não perceber isso? Ainda mais em um leilão tão polêmico como foi, e no qual fui radicalmente contra, todos sabem disso. O arroz, por exemplo, que vendíamos por R$120, gerava inflação. Naquele momento, apresentamos dados mostrando uma super safra. O Centro-Oeste estava com 30% de aumento na produção e o Mato Piba, com 25%. O Rio Grande do Sul, maior produtor, crescia 8%, apesar da seca, o que resultou em uma perda de apenas 5%. Por isso, fui contra. Quanto ao ministro Fávaro, prefiro me abster de comentários mais profundos, pois ajudei a colocá-lo lá. Ele cometeu um erro, e o governo federal cometeu um erro político. Tentar importar arroz, um milhão de toneladas, em um
universo de consumo mundial de 780 milhões de toneladas, é como tentar enxugar gelo. O preço do arroz é globalizado, não adianta. Importar um milhão de toneladas não faria diferença. Essa foi a minha posição nas reuniões da Casa Civil e também publicamente. Então, é um assunto tranquilo para mim. Sobre a confiança, eu não sei responder, pois é uma questão mais política. O Mato-grossense precisa de um representante da nossa terra em um ministério tão importante. Naquele episódio, o ministro foi injusto comigo, não foi leal e cometeu um erro político. Se tivesse ouvido a equipe técnica, se o presidente estivesse melhor informado, esse erro teria sido evitado. Hoje, o arroz, que estava a R$117, quase R$120, está sendo comercializado por R$76, o que tem gerado deflação, inclusive em alguns itens da cesta básica, como o arroz. Na minha visão, os R$7 bilhões que foram destinados à importação de arroz deveriam ter sido utilizados em programas de equalização de crédito, para estimular o médio produtor a plantar cebola, feijão, batata, produtos que poderiam ajudar a melhorar a cesta básica. Foi um grande equívoco, algo que, lá atrás, eu jamais teria feito. Sempre cuidei da agricultura, e quando estive à frente da Secretaria de Política Agrícola, jamais abri mão disso. E continuo sendo assim. Agora, sobre o Fávaro, desejo que ele faça um bom trabalho. Acho que ele tem aproveitado algumas nuances, como o espaço gerado pela China e o impacto das políticas comerciais dos Estados Unidos, o que acaba sendo positivo para o Brasil. O governo tem, neste momento, estimulado a relação comercial com a China, Irã e outros países grandes consumidores, e isso tem trazido benefícios para o país. Ele está fazendo um bom trabalho nesse aspecto, e eu espero que continue assim. Quanto a isso, se ele for bem no Ministério da Agricultura,
Mato Grosso e o Brasil também sairão ganhando.